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A volta do parafuso ou A volta do escritoriando

A volta do parafuso ou A volta do escritoriando | Texto por Larissa Miranda
(Cena do filme Os inocentes, de 1961, inspirado no livro “A volta do parafuso”, de Henry James)

Eu sabia que voltar a escrever seria catártico. Que seria como romper a precária barragem que sustenta meu corpo, e com isso, deixar toda a água escorrer – livre, desenfreadamente. Deixar que isso acontecesse seria aceitar o risco de entrar em contato com as muitas versões de mim que fui deixando pelo caminho.

Bom, aqui estou eu, destruindo a barragem com as próprias mãos.

A verdade é que crescer tira de nós muitas coisas. A vida vai acontecendo e vamos nos moldando a ela do jeito que dá. É necessário abrir mão de certas coisas, afim de dar espaço a novas outras. Pra mim, foi a escrita e a vontade de viver do que escrevo.

A vida aparentemente tinha outros caminhos pra mim, me afastou das minhas paixões mais intensas e me levou direto para a graduação de psicologia. Aos poucos abandonei as palavras e mergulhei em outro universo, e durante pouco mais de cinco anos realmente acreditei que ali era meu novo lugar. A tal facilidade de se adaptar.

Eu gostava do meu trabalho. Ainda gosto. Há algo de muito profundo e muito poético sobre ser psicóloga. Encontrei na área infantil um novo propósito, pois nela, eu conseguia suprir minhas necessidades artísticas, de certa forma. Mas faltava algo…

Em A volta do parafuso, uma governanta nos conduz a uma mansão vitoriana onde aparições misteriosas a atormentam e a confundem. Pois bem. Me senti meio essa governanta -atormentada e confusa-, quando uma leve tristeza começou a me atingir. Veio de não sei que lugar, fantasmagórica tal qual as figuras da Mansão Bly, e me atingiu em cheio. Era a realização súbita e dolorida de que aquela versão antiga de mim ainda estava, afinal de contas, aqui dentro. Há muito adormecida, mas agora pronta para ressurgir. De repente quis correr de encontro a ela, quis recalcular a rota, fazer o que anos atrás eu sabia que queria fazer.

Quis começar a graduação de jornalismo, mudar de carreira, correr contra o tempo, como se estivesse atrasada para um compromisso que subitamente esqueci.

É nesse ponto da história em que eu me encontro. Me equilibrando entre uma rachadura que cresce sob meus pés, sem saber se pego o caminho de lá ou de cá. Se abandono minhas certezas para me reconectar com minhas antigas ambições. Tudo está em jogo, e nenhuma decisão é óbvia.

“Eu sentia quase como se estivéssemos tão perdidas quanto os passageiros de um grande barco à deriva. E o mais estranho é que eu estava no leme!”

Bem, cá estou. A barragem não existe mais, e as palavras correm pelos meus dedos ainda enferrujados. Precisava me reconectar com essa parte de mim, e tirar o escritoriando da gaveta precisava ser meu ponto de partida. Não sei a que direção essas águas me levarão, mas me permito assumir o leme e navegá-las conscientemente, aonde precisar ir.

 

 

 

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